Ensaios na Guiné-Conacri demonstraram que vacina protege pessoas que estiveram em contacto com doentes. OMS diz que os resultados “mudam o jogo” e Médicos Sem Fronteiras querem vacina na Serra Leoa e na Libéria, que sofreram com a epidemia
Um dos centros construídos na Libéria para tratar doentes com ébola
Um dos centros construídos na Libéria para tratar doentes com ébola
O mundo está, pela primeira vez, à beira de poder proteger humanos contra o vírus do ébola, disse nesta sexta-feira a Organização Mundial da Saúde (OMS) depois de se conhecer os resultados dos ensaios clínicos na Guiné-Conacri, que mostraram que a vacina foi 100% eficaz contra o vírus.
Os resultados iniciais dos ensaios clínicos que testaram a vacina VSV-ZEBOV, das empresas farmacêuticas Merck e NewLink Genetics, em 4000 pessoas em contacto próximo com doentes com o ébola, mostraram uma protecção de 100% após dez dias.
O que falta provar é a sua eficácia para proteger populações, onde nem toda a gente estará vacinada — a chamada “imunidade de grupo”. Por isso, o ensaio vai continuar, diz a OMS.
Mas os resultados foram descritos como “notáveis” e que “mudam o jogo”, dizem os peritos internacionais da área da saúde.
“Acreditamos que o mundo está à beira de ter uma vacina eficaz contra o ébola”, disse Marie Paule Kieny, uma especialista em vacinas da OMS, que falou aos jornalistas durante uma conferência de imprensa em Genebra, na Suíça.
A vacina poderá ser agora usada para ajudar a acabar com o pior surto de sempre do ébola, que já matou 11.294 pessoas das 27.784 infectadas, desde que surgiu em Dezembro de 2013, a grande maioria na África Ocidental. A directora-geral da OMS, Margaret Chan, disse que os resultados, publicados agora na revista científica The Lancet, eram “um passo extremamente promissor”.
“Isto vai mudar o jogo”, disse aos jornalistas. “Irá mudar a gestão do actual surto do ébola e de surtos futuros.” Depois de um atraso na resposta à epidemia, a comunidade internacional fez um enorme esforço para desenvolver rapidamente vacinas e tratamentos contra esta febre hemorrágica que chega a matar mais de metade dos infectados.
“Sabíamos que era uma corrida contra o tempo e que os ensaios tinham de ser feitos sob circunstâncias extremamente desafiantes”, disse por sua vez John-Arne Røttingen, responsável pelo controlo de doenças infecciosas no Instituto Norueguês de Saúde Pública e que estava na direcção dos ensaios clínicos.
Um “anel da vacinação”
Os ensaios na Guiné-Conacri iniciaram-se a 23 de Março para avaliar a eficácia e a segurança de uma única dose de VSV-ZEBOV. A estratégia usada foi a do “anel de vacinação”, em as pessoas que estiveram em contacto próximo com um doente de ébola são imunizadas – uma parte é imunizada imediatamente, a outra parte passados alguns dias.
À medida que os resultados foram sendo obtidos, os investigadores verificaram uma protecção muito grande contra a doença nas pessoas vacinadas imediatamente após o contacto com os doentes. Por isso, decidiram a 26 de Julho que iriam parar a estratégia da vacinação mais tardia, já que se tornava claro que fazer com que as pessoas esperassem alguns dias para ser vacinadas não era ético e era um risco desnecessário.
Os ensaios continuam a realizar-se. Todos os participantes estão a receber a vacina imediatamente após terem estado em contacto com uma pessoa doente. Os adolescentes entre os 13 e os 17 anos vão passar a receber a vacina. Assim como, possivelmente, as crianças entre os seis e os 12 anos, adiantou a OMS.
O ensaio “atreveu-se a usar um modelo altamente inovador e pragmático, o que permitiu à equipa na Guiné-Conacri a aceder à vacina no meio de uma epidemia”, defendeu Jeremy Farrar, especialista e especialista em doenças infecciosas e director do Wellcome Trust, no Reino Unido. “A nossa esperança é que a vacina ajude agora a acabar com esta epidemia e que vá estar disponível para epidemias futuras inevitáveis do ébola”, disse, numa declaração.
A organização Médicos Sem Fronteiras, que liderou a luta contra o ébola na África Ocidental, está agora a pedir que a VSV-ZEBOV seja aplicada nos outros países que sofreram com este surto: a Libéria e a Serra Leoa. Segundo a organização, a vacina poderá cortar a cadeia de transmissão do vírus e proteger o pessoal médico que está na linha da frente na luta contra a doença.
O sucesso do ensaio clínico na Guiné-Conacri é um alívio enorme para os investigadores. Muitos deles temiam que o declínio acelerado dos novos casos de ébola neste ano afundasse a esperança de provar que uma vacina podia resultar. Outro grande ensaio na Libéria, pensado para 28.000 pessoas, teve de terminar depois só ter tido 1500 participantes, e os planos para fazer um ensaio na Serra Leoa não foram para a frente. Assim, os testes na Guiné-Conacri, onde o ébola continua a infectar pessoas, eram a única esperança real de se demonstrar a eficácia da vacina.
Fonte: Publico